[FRETE INCLUSO]
O retorno à superfície reivindica a poesia. Sem ela não se pode retornar, pois a poesia é um acesso, uma via pela qual o inefável deixa de bordejar a experiência e passa a ganhar contornos mais definidos – aqueles que o leitor colhe à beira da página como um dia cada um de nós certamente já colheu restos de conchas à beira-mar. Desse modo, a poesia, como as conchas, conhece o caminho do retorno, desde o fundo à superfície, mas em sentido inverso, pois se subir à tona e depositar-se à beira da praia transforma a concha em ruína, em túmulo para um corpo ausente, a poesia quando retorna reinveste de vida aquilo que do abismo, da profundidade, pulsava em silêncio ou quase sem ar. Alguns corpos submergem vivos, conchas. Outros retornam vivos à superfície, poema. Em seu périplo pela página em branco, cada palavra do poema, cada minúscula madrepérola de palavra, mesmo quando só aponte ruínas, rompe o inefável, o imponderável e dá ao Real o ar sem asfixia do simbólico, não cessa de dizer o que não seria dizível a não ser pelo jogo mergulho-superfície da própria poesia. Neste livro, o mergulho e seu avesso, como o chama Tarso de Melo, encenam a dupla volta em torno da vida-morte das experiências, ou do “experimentável”, e da morte-vida da palavra. O leitor é guiado, então, não para uma síntese ou explicação dos dois poemas imprescindíveis de Pucheu, lidos por Tarso, porém pelas perguntas que o primeiro faz ao par de mantras-poemas, único oxigênio possível quando a asfixia do mundo não está apenas na falta de ar imposta pela COVID-19, mas porque a asfixia como gás grisu espalha-se cruel e implacavelmente assassinando aqueles que para Achile Mbembe são corpos matáveis, não nasceram para respirar, outrossim, em luta constante, sequer têm chance ou direitos para respirar. Nessa visada, a leitura crítica que Tarso de Melo faz de “ é preciso aprender a ficar submerso” e “é preciso voltar à superfície” de Alberto Pucheu torna-se, ela mesma, um mergulho e nosso avesso – entre a esperança que vê nos poemas de Pucheu e a indignação manifestada pelo que os poemas trazem, é a nós que Tarso recolhe da beira deste país em cadafalso, quase pós-pandêmico, esgarçado em suas instituições para indicar não as conchas e talvez não as palavras, apenas aquele espaço inquietante e sem clausuras com que o exercício crítico presenteia o leitor, a leitora. Nosso avesso vai mais fundo. Alhures, entre a submersão e a subida à superfície, é a nossa fragilidade humana, nossos desvãos, nossos “em vãos” que o poeta Alberto Pucheu recolhe para convocar este grito preso, depois de tanta falta de ar que agora, convocado, subindo das vísceras para onde mergulhara abissalmente, jorrando feito vômito, liberta-se do medo. Medo? Este que perdemos, agora, aqui, quando não há mais a perder. O ensaio reencena os poemas, recifra-os e, com isso, longe do adverso, em cada verso, outros de nós, outra de mim, pelo avesso, mergulhamos e voltamos à superfície. (Texto de Diana Junkes para a orelha do livro)
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